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Aos 75 anos, José Luiz Ribeiro dispara: ‘A sociedade inteira está corrompida’

por Grupo Divulgação

Aos 75 anos, José Luiz Ribeiro dispara: ‘A sociedade inteira está corrompida’

Entrevista realizada por Ícaro Vicente.

Não é só no Brasil. Praticamente, em todos os países do mundo existe um pequeno ou enorme abalo fragilizando instituições e pessoas. A humanidade está sendo posta à prova para rever seus conceitos do que até aqui se chamou de ética. O homem, sucessivas vezes tem sido desafiado a rever seus conceitos. Deus, o onipresente e onipotente parece saber o que está fazendo.

Nas aldeias indígenas, a figura do pajé, responsável pelos rituais e comunicação com os deuses é quem leva recados ao seu povo. Em tempos de aprendizagem, conversamos com José Luiz Ribeiro: professor, jornalista, dramaturgo e ator; é responsável há 51 anos pelo Centro de Estudos Teatrais - Grupo Divulgação, de Juiz de Fora, Minas Gerais. Companhia referência no estado de Minas e no Brasil.

Ribeiro fala sobre como foram seus primeiros anos, os desafios de enfrentar a ditadura, a vivência nas ‘Diretas já’ e os sucessivos governos que vieram após a constituição federal de 1988. O dramaturgo também fala sobre os meandros da política brasileira e como expôs no palco, sua ótica de um Brasil machucado, mas sempre esperançoso.

Ícaro Vicente: José, você começa em 1963 aos 21 anos fazendo teatro. Porque fazer teatro?

José Luiz Ribeiro: Sim, era uma compulsão na vida. Era uma coisa que eu gostava. Eu começo em 1963 mas eu me interessava por todos os tipos de arte. Eu pintava, escrevia um pouquinho, gostava muito de música, ópera, as artes do espetáculo me influenciaram muito e, principalmente o cinema. Talvez o cinema tenha sido junto com o rádio, os grandes responsáveis pela minha formação. Naquela época, eu via muito musicais, aqueles musicais importantes e, a revisão das operetas “Oh Marieta!” e tudo que passava. O Central [Cine-Theatro Central] fazia às vezes uma semana disso. Então aquilo me interessava muito porque tinha uma parte cenográfica, de interpretação, que era muito rica. E o teatro estava na minha cabeça, sem querer, até nas brincadeiras, porque eu fui uma criança em que minha irmã era sete anos mais velha, então eu era criança de rua. A gente tinha rua e tinha quintal. Nesse quintal tinha barro e a gente fazia muito bonequinho de barro que mexia com a cabeça, e era a haste de samambaia que fazia isso. O teatro que eu conhecia, a não ser aquele primeiro que eu saí correndo da casa de espetáculo, era aqueles teatros de catecismo que se via, depois eu lembro que eu fui convidado por uma professora para fazer uma figuração, porque era um casamento na roça e meu texto era ‘Inhô Sim’… “Quer casar com ela?” E eu… “Inhô sim.” Imagina, um monólogo imenso e assim começou lá no grupo Antônio Carlos que tinha a Dona Olga. Mas em 63, eu não sei que compulsão foi essa que eu comecei a juntar com grupo de operários da ‘Industrial Mineira’ [antiga indústria têxtil da cidade] convidando e quando fui fazer “Brasil, espaço 63” escrevi um negócio e foi…Hoje chama-se empreendedorismo. Naquela época era cara de pau de fazer uma coisa assim. Então a bem da verdade eu já tinha lido Shakespeare, Dante Alighieri, na ‘Divina Comédia’, talvez não tivesse entendido nem metade daquilo e fui lendo tudo e aquilo era uma fascinação então eu acho que foi uma possessão dionisíaca que me fez fazer isso. E como você tinha no rádio histórias contadas, se imaginava muito. O rádio te fazia imaginar, então você via um monte das coisas na sua cabeça daquilo que se ouvia no rádio. Era o momento das grandes cantoras, Emilinha, e todas as outras e dos filmes da Atlântida, que era uma vez por ano e que se via uma determinada música sendo mostrada como num ‘teatro de revista’. Dalva de Oliveira cantando ‘Pequeno grão de areia’ e ‘O Rio amanheceu cantando’. E porque fazer teatro? Eu te confesso que desde cedinho a gente brincava de fazer teatro, porque a escola que eu frequentei não tinha essas coisas não. O máximo que eu me lembro era uma aula de leitura silenciosa que a gente saía na biblioteca e ia na sala pega uns livros e Monteiro Lobato foi meu companheiro dessa época.

IV: Depois vem o Divulgação e nos primeiros anos do Divulgação, o grupo montava textos clássicos como Shakespeare, Pirandello, Nelson Rodrigues e depois mais tarde, surge a necessidade de criar uma dramaturgia própria. E você como diretor do grupo passa também a escrever as peças. Como que se deu esse processo?

JLR: Quando o Divulgação nasce, ele nasce como um centro de estudos. E esse centro de estudos para você ter uma ideia, a gente se reunia no Diretório Acadêmico Tristão de Athayde o DATA, hoje ele não existe mais porque transformaram o nome dele para Vladimir Herzog, que é o da Comunicação. O DATA era da Filosofia. Então a gente se reunia todo sábado para ler uma peça, a princípio eu e Malu [Maria Lúcia Campanha da Rocha Ribeiro, que mais tarde, se tornaria sua esposa] líamos muitos poemas. Era uma fase legal, pois existiam as publicações como a obra do Manuel Bandeira, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, essas pessoas todas que a gente lia muito, eram fáceis de ler, fora os romances que a gente também lia. mas a gente reunia e lia uma peça a cada sábado.Quando o Divulgação assim se firma, a gente já tinha um conhecimento de peças que a gente queria montar e que, mais tarde a gente foi montando. Mas era um momento também muito culturalista em todos os lugares, a gente lia Sartre. Era de uma coisa muito legal, porque a SBAT [Sociedade Brasileira de Autores] tinha os representantes em Juiz de Fora, era o Waltencir, do Cine-Theatro Central e naquela época você pagava 10% da obra. Depois com o ECAD, a gente começa a pagar mais. A gente queria fazer “O círculo de giz” e eles pediram oito mil marcos. Começou uma coisa muito enlouquecedora.

O tempo, os anos 1960, o Divulgação é de 1966, e em 1968 acontece o AI-5. No AI-5 começou aquele momento de você mandar os textos para a censura e eles não voltavam, ou voltava em cima da hora, ou depois como aconteceu com ‘O diário de um louco’ ser proibido. Fazer os grandes clássicos foi uma estratégia para falar aquilo que a gente queria falar, naqueles tempos em que não podia falar nada. Anos 1960, muito ideológico, era a forma que permeou a nossa vida e eu acho que até hoje o Divulgação, talvez por influência minha ou da Malu, e agora mais minha, praticamente eu acabo com o pessoal, a gente tinha formas de falar o não falado. Tem um determinado momento que a gente faz um repertório russo. A gente faz Górki, Tchekhov, Gógol, tudo isso.

O cara virava e falava “Isso aqui tem alguma coisa?” e a gente falava: “Não, não tem.” Naquela época, quando o AI-5 chega, os censores, não era a bem da verdade, censores. Eram delegados, que não tinham essa cultura tão rica, iam lá com o texto na mão e via se a gente alterava algum texto. Ora, falar, a gente falava. Mas as pessoas precisam notar que a fala em texto de teatro, você não está falando da palavra, você está falando do conteúdo, do contexto, de um monte de coisa. Então, essa é a primeira fase.

Nós brincávamos que os escritores brigavam para entrar no nosso repertório, porque o nosso repertório era muito legal. A gente falava: “Será que o Brecht vai querer?” “Não é Brecht, é agora o Dürrenmatt que vai.” A gente podia fazer a nata da nata, porque era muito forte o movimento de teatro amador, então, a não ser quando o Plínio Marcos começa com o trabalho dele e ele proíbe os grupos de estudantes de montarem sua peça, e o que vai acontecer também depois é quando morrem esses autores. Porque a pior danação que existe para um autor é ver sua obra esquecida. E as famílias começam com uma ganância, que “ai não pode montar isso, não pode fazer isso”… A família quer sobreviver daquilo. O que acontece? Ninguém mais monta Silveira Sampaio, ninguém mais monta Vianinha, porque os grupos amadores naquela época eram muito fortes. Quando montou-se eles “Eles não usam Black Tie” todos os teatros universitários montavam e aquilo replicava de uma tal maneira em diversas montagens e ainda não havia isso que hoje acontece, que é a experimentação, em que fazer o texto já não é mais importante. Então nós temos essa passagem.

O Divulgação também se torna um grupo, quase que uma companhia. Quando eu escrevo ‘Guairaká’, essa peça nasceu em 1973, junto com a Tarsila [Tarsila Ribeiro, filha de Malu Ribeiro e José Luiz]. Eu estava no Amazonas, fiz uma pesquisa e fiz um espetáculo de bonecos com esse texto, depois ele ficou guardado na gaveta muito tempo porque eu não tinha coragem. Quando eu comecei com ‘Brasil espaço 63’ e ‘Sinfonia de uma favela’ eram textos meus, mas depois eu fiquei meio envergonhado e principalmente depois que eu entrei para a universidade, quando você começa a ver uns nomes assim, do que é bom, do que que não é, hoje não, as pessoas não tem o menor pudor, escrevem porcaria, montam porcaria e fazem grandes porcarias, mas é o tempo que está se vivendo.

Nós começamos montando os grandes textos, depois passamos a ter muita dificuldade para montar os textos que a gente queria pelo preço que eles estavam cobrando e de repente a necessidade de falar sobre alguma coisa que estava acontecendo no presente, mas com o que a gente tinha de atores. Os atores já não eram mais aqueles atores do começo do grupo. Novas gerações foram formadas. Então, ‘Girança’, inclusive foi recusado. Eu escrevi para um grupo do Colégio Magister, porque eu achava que era um espetáculo para os meninos de lá, então escrevi sem pretensão. Quando eu fui falar da peça para eles, que era do espaço geográfico de Minas Gerais, uma menina virou e falou: “Ai que horror, quero montar peça de geografia não!” E eu nem conversei, peguei o texto eles nem leram, fechei e guardei e o texto foi pra gaveta. E eu fiz ‘I Love You Juju’ que era a história de Juiz de Fora, era mais geografia do que ela pensava e eles fizeram e adoraram.

De repente, o pessoal do Divulgação descobriu ‘Girança’ e ficou enlouquecido e nós montamos. Foi um grande sucesso, a peça foi representar Minas Gerais no encontro nacional e a gente ficou muito feliz. Quando a gente começou a notar o momento que a gente estava vivendo, o teatro era uma palavra muito rica para isso e eu comecei a fazer mais as peças infantis, porque não havia uma dramaturgia de teatro infantil tão expressiva no sentido de atores e o Divulgação sempre tinha 20, 25 pessoas, era um elenco grande. E a gente acabou fazendo musicais nesse sentido, até começar a escrever as adultas que de repente tiveram uma resposta muito grande e positiva do público, e algumas dessas peças foram escritas para o tempo em que estávamos vivendo. Por exemplo, quando a gente fala sobre ‘Era Sempre Primeiro de Abril’ aquilo ali foi um ódio completo. Porque nós tínhamos todo o nosso dinheiro guardado, como até hoje, no banco, nas cadernetas de poupança, quando o Collor toma conta delas todas. Então isso era exatamente quando a gente estava fazendo ‘Dom Chicote Mula Manca’ [ espetáculo infantil] e a ainda não sabia o que ia montar [ para o público adulto]. Quando ele fez isso, nós contamos a história dele. Era sempre primeiro de abril. E foi um negócio que a sociedade inteira foi roubada. Aquilo virou uma loucura em termos de público, nós conseguimos reaver todo o dinheiro com uma montagem e sem muita discussão. Aí voltava-se então a uma coisa que era uma estrutura de teatro de revista, que era uma coisa eminentemente brasileira, um pouquinho de CPC, um pouquinho de uma dramaturgia de Arthur de Azevedo, e principalmente, trabalhando com uma forma rica de paródia e um riso muito cínico em cima daquilo. Então, Fernando Collor foi o grande herói. Então a gente tinha que fazer comédia, porque todos os nossos heróis são bufões. Fernando Henrique, Lula e Dilma, eles são bufões. Eles não comportam uma leitura séria. Eles não despertam em nós seriedade. E toda vez que o brasileiro está sufocado, ele tem que partir para o riso, essa é razão da nossa existência e da própria estrutura da dramaturgia nossa, que é um teatro político, que num determinado momento a gente até passou a sofrer.”

IV: Essa estrutura de teatro político sempre está presente em todos os espetáculos, mesmo naqueles em que não se fala sobre política, existe uma ferroada sobre o tempo que está acontecendo. A diferença é que na ditadura se dizia coisas por meio de textos clássicos. Quais são os pontos positivos e negativos de se falar sobre os heróis bufões da política brasileira?

JLR: Há um grande momento em que a gente precisa ver também o que aconteceu, ou seja, a sociedade. Se nós pegarmos a evolução desses tempos, em 1972, nós fizemos um texto que inaugurou o Forum da Cultura que é “A Morta” [de Oswald de Andrade]. Esse texto foi proibido na época, porque se ele tivesse sido montado em 1937, a grande mudança do teatro brasileiro não seria Nelson Rodrigues, seria Oswald de Andrade. Mas como ele foi proibido, ficou lá. A nossa montagem, por exemplo, para a censura deu um nó na cabeça dela. Para os nossos atores [também], a Malu ficou praticamente uma semana explicando o significado das palavras, o que era aquilo. O primeiro quadro, dos três, é o país do ego, tem toda a psicanálise do poeta procurando a morta. O segundo é o país da gramática. O país da gramática, é sensacional, porque são os mortos e os cremadores de cadáver. Quando a gente montou aquilo, foi de uma força! 1972 era o período Médice. O período Médice tinha um confronto muito grande entre uma esquerda que pegava os cofres, igual o grupo da Dilma fez, etc. Então a gente conseguiu colocar esses cremadores todos de calça jeans e camisa azul, então o que eles falavam era violento. A discussão do policial com o turista precoce é uma joia de dramaturgia. Só que hoje eu não sei como o público entenderia o céu da literatura, tudo o que é clássico, ou seja, o que se ensina nas classes, porque não se ensina mais essas coisas. Nós não temos mais nada de descoberta desse fenômeno. A partir disso, esse espetáculo foi violento, cenas de plateia, uma coisa que não era muito comum, e aquele incidente terrível da TFP [Sociedade de defesa da tradição, família e propriedade] vir aqui para gravar o espetáculo, o gravador que foi tomado da mão do cara pelas meninas e o gravador jogado de um lado para outro !! E na sala eram 248 lugares, mas a gente comportava em alguns espetáculos 400 pessoas dentro da casa. Hoje, feliz o tempo que passou. Hoje o teatro está no inverno, como a sociedade está no inverno. Ele está adormecido e as pessoas estão no país do ego pela tecnologia, você vê que tudo o que você vê em teatro atualmente, o espetáculo costuma ter uma projeção muito legal, que não gasta muito dinheiro, ou normalmente muito pobre. Um exemplo mais recentemente que eu vi, foi o show do MPB4, Toquinho e Ivan Lins, a roupa que eles vieram, de uma simplicidade, sabe, você nota que o espetáculo, é um espetáculo para ganhar dinheiro. Como o stand-up fez, porque não tem mais espaço para o grande espetáculo, a não ser nos grandes musicais lá do Charles Muller, todos acabaram. Você vê que o espetáculo está cada vez mais contido de elenco. Para não enrolar demais, como o público vai entender hoje, pela estrutura que eles está tendo? A própria televisão está repetitiva, a não ser alguns trabalhos. Acredito que depois do inverno a gente chegue à primavera, mas nesse momento é um momento do inverno.

IV: Mudando um pouco de assunto, porque que o brasileiro gosta de rir de si mesmo?

JLR: A estrutura colonizadora, o próprio colonizador quando aqui chega, ele chega com coisa fechadas. Então você vai pegar os ‘Jesuítas’ e eles chegam com aquela coisa quinhentista, da forma que eles estão organizando o céu, o medieval, eles chegam com o pensamento desse processo. Aí eles montam peças sobre Deus, sobre o sacrifício, e com o que os índios se identificam? Com os demônios, porque eles bebem, e tudo aquilo que eles falavam que era lascivo, que comia a mulher do próximo, etc, eles adoravam isso. Então, o que o brasileiro tem? É mistura, porque quando o Português vem pra cá, e larga a mulher bigoduda em Portugal, aqui é o Éden, e aqui não existe pecado debaixo do Equador, então ele não vai ter limite. E é o momento em que o riso é o elemento sem limite, ele diante da dificuldade, a solução dele é reinventar o mundo, e ele se reinventa ridicularizando aquilo que ele tem medo. Esse é o grande problema. No tempo da escravidão você vai notar que o entrudo, são os escravos saindo fazendo baderna. Não é diferente do que você tem hoje. Baderna, barbárie, essas coisas todas não são diferentes.

A pessoa tem uma hora e meia pra chegar no trabalho e uma hora e meia pra voltar do trabalho. Significa que aquilo que tem oito horas para descansar, oito horas para trabalhar e oito horas para dormir, três horas estão sendo subtraídas para descansar ou para dormir. Esse é o primeiro passo. Como é que está o riso? Quando Aleijadinho pega e faz para encomenda de uma procissão de Ouro Preto, um São Jorge com a cara do delegado de polícia, e quando o pessoal olha pra aquilo, todo mundo começa a rir. Essa é a estrutura do teatro medieval, que por exemplo, é todo sério. Mas quando ele vê aquela colega dele fantasiada de Nossa Senhora barriguda, ele ria. É normal a identificação que você tem do real com a vida e nessa estrutura e o brasileiro faz isso. Então qual é grande força da virada do século? É o riso. O cara entrava na casa dele pra acabar com o mosquito, então ele pegava Oswaldo Cruz e fazia charge desses elementos todos. Isso é rico.

Você tem essa estrutura da ciência de moral de luz acesa e de luz apagada. Então havia a Igreja muito forte tomando conta disso enquanto escravos que estavam levando lambada lá fora, aquele frade gordo estava bebendo vinho do Porto com o senhor, aceitando essas coisas todas. O que que o escravo fazia? Ele inventava a feijoada, dança, ele fazia um monte de coisas e refazia a história com ele mesmo, os congados, aqueles negócios todos. Dali pra frente, você pega a virada do século XIX para o século XX, o riso é o grande elemento, mas não é só aqui é, é na França com a charge também. Porque o teatro medieval ele tem toda aquela seriedade dos milagres e mistérios mas nas farsas e nos jogos que ele tem, eles falam do comerciante ladrão, do advogado trapaceiro, essas coisas que são os males da sociedade são mostrados. Na virada do século XIX os teatros tem primeiro as burletas e depois o teatro de revista. O teatro de revista, começa a gozar seus políticos, aquilo que o rádio depois vai fazer com muita força. Aquilo que McLuhan [ Herbert Marshall McLuhan, canadense, estudioso da Comunicação] fala que um meio sempre prepara para a chegada do outro meio, ele é sempre um tapete. A Chiquinha Gonzaga lançou “Ó abre alas”, “Lua Nova” , todas no teatro de revista e as pessoas começavam a cantar. Daí pra frente vem o rádio e ele começa a divulgar, quando ele grava “Pelo telefone” porque que não começa de uma hora pra outra. Nem todo mundo tinha rádio. Depois que ele vai fazer pra todo mundo igual celular, que hoje todo mundo tem, com tudo o que tem. Então naquele momento o teatro de revista vai mostrar aqueles quadros todos, quer dizer, tipicamente o político, Getúlio e gozando tudo. E a música brasileira é toda do riso, então quando o ‘Bonde de São Januário leva mais uma operário, sou eu que vou trabalhar’, e depois o Noel Rosa fazendo as músicas com Wadico fazendo as letras, porque é importante que se fale que Wadico fez as grandes letras de Noel, as pessoas só falam de Noel, mas era Wadico quem escrevia. Ele começa a fazer da sua desgraça, a sua piada. É uma coisa meio psiquiátrica mesmo. É a forma que ele respeita, porque tudo o que é fechado, em determinado momento ele tem que se soltar. O Carnaval faz isso, o carnaval é a grande explosão, antes dele se tornar essa coisa absolutamente marcada na escola de samba, com samba enredo porque toda hora que você tem um elemento disciplinador, você perde a força. Então, por exemplo, quando o teatro começa a ter festival disso, festival daquilo, ele perde porque essa concorrência acaba eliminando. Quando ele é o espelho da sociedade que faz o riso e tudo, o público reconhece. Isso que é importante, mas hoje o público é super informado. Como ele é super informado, ele não filtra muito as coisas que tem, o que é falado pra ele, ele aceita ou não. Ele hoje não tem tempo para ler o jornal, para ler a revista, então ele se informa pela televisão ou pelo rádio. Porque o rádio hoje é forte porque ele vai onde o cara vai, principalmente no celular. Então o riso é uma forma que foi encontrada para que a pessoas pudessem respirar.

IV: Sobre rir do que se tem medo, quando vocês montaram Era Sempre Primeiro de Abril, qual era o medo que o grupo tinha além de não ter dinheiro?

JLR: Olha, a gente entrou num processo de desafio porque quando a gente fez ‘O Rei da Vela’, a roupa do Robson Terra era ‘indecentíssima’ para a época. Era um tapa sexo e o Robson magérrimo, ele era um fiapo, e desmunhecando pra tudo quanto é lado, era uma coisa muito engraçada. Aí quando Dona Ivone [censora] vem, a gente disse que o figurino dele não havia chegado, mas é um biquíni. Existem formas de contar e a pessoa imagina conforme está na cabeça dela. Quando voltou, era na época muito escandaloso, muito engraçado. Então nesse momento não era medo, era raiva. Quando as pessoas me perguntam porque eu fiz tanto tempo de teatro eu respondo que é para provar que eu podia fazer. Quando a gente foi montar Bodas de Sangue, nossa senhora! A intelectualidade de Juiz de Fora falava: “Nossa, como é que vai montar Bodas de Sangue, García Lorca…?!” E quando nós montamos em cima de um tablado de exército no Círculo Militar e as pessoas não entenderam e talvez essa tenha sido a minha grande estratégia. Entrar na jaula do leão e ver no que que dá. E a gente fez isso, porque a história do Bodas de Sangue não é tão política mas as frases do García Lorca estavam todas no corredor do círculo militar , só que tem que há coisas que a pessoa vê se ela pode ver. O ‘Ensaio sobre a Cegueira’ [romance escrito pelo português José Saramago] mostra isso. A gente fala para quem é capaz de ouvir e explica para quem é capaz de entender. ‘Era Sempre Primeiro de Abril’ foi raiva, ‘O Príncipe Rufião’ foi raiva, ‘Gritos Dissonantes’ foi raiva….Porque Fernando Henrique foi o cara que no meu tempo de faculdade a gente lia as obras dele, achava que ia resolver o problema, ele não era. Ele era um safado, assim como Lula. Assim como a Dilma. Então o teatro sempre nos ensina a enxergar um raio X daqueles bufões. Todo mundo acreditou no Hitler. Houve um momento em que as pessoas acreditaram, alguns notaram. Mas só 10% de uma sociedade é capaz de entender o que está a acontecer. Nesses 10% está a vanguarda, os artistas, hoje eu não sei se os artistas são capazes de ver isso. Porque grande parte está comprometida com as Leis. Lei de incentivo, lei disso, lei daquilo, então eles fazem propaganda do Friboi etc, embora sejam pessoas maravilhosas, mas aí é questão de ‘quanto custa’.

IV: Em O Príncipe Rufião a raiva de vocês era por conta desse homem que escreveu muito, que era a inteligência, e que seria o caminho, mas na verdade não era. Essa peça traz referências à Pirandello. Queria que você explicasse um pouco disso.

JLR: Como o espetáculo todo, “Assim é (se lhe parece)” em determinados momentos. O que a gente faz é que a gente cita quando Fernando Henrique foi para um exílio voluntário deixando, porque ele tem muita coisa para ser contada, família dele. A família é ligada à Duque de Caxias, que vem de Joaquim Silvério dos Reis, mas eles cortam isso. Mas o Dória, professor, não é o prefeito, fala isso no livro dele. Então o que que acontece, há um determinado momento em que ele ia pra um lugar que estavam os exilados todos, então ele chegava lá e se dizia de esquerda, liberal, e [da linha] do Boal. E num determinado momento na peça, ele manda uma carta para o pai e para a mãe para contar como é que ele estava, como é que estava fazendo e falou que tem um tal de Boal, aí nós interrompemos o espetáculo sem interromper. A gente tinha três cenas que os adolescentes [núcleo de adolescentes do Divulgação] faziam, que ele mudavam de espetáculo para espetáculo. Uma era o celular que tocava e a pessoa conversava, você vê , há um bocado de tempo nós estamos reclamando disso! Nós estamos mostrando onde isso vai chegar!

O segundo, o assédio sexual, o cara que passava a mão na menina e ela começava a brigar e lá no meio da plateia e ele abandonava ela. Então, atualmente a gente faz um grande mix. ‘O Príncipe Rufião’ foi isso, então a gente tinha uma cena que era o pessoal lá da USP mas de uma forma muito alegórica, que aliás, é uma coisa que eu adoro, é uma alegoria, uma coisa meio medieval, vamos pensar que o Brecht faz todo o trabalho dele em cima do teatro medieval. E depois Marx por ele mesmo.

IV: Para poder escrever o Príncipe Rufião, quais foram os pontos que foram pensados na maneira de como traçar o texto?

JLR: A história do Fernando Henrique. Eu fiquei uns oito meses antes daquilo de chegar, lendo coisas, porque às vezes a minha forma de escrever é muito rápida, mas a pesquisa é muito lenta. A não ser por exemplo Grito Mudo que eu escrevi em questão de dois dias, que foi num ato de fluxo, numa revolta da menina que foi estuprada por um cara, ela foi escrita por cima de Brecht e eu me dedico umas quatro horas por dia, eu levanto cedinho, umas quatro horas da manhã para ler, lendo muito jornal, muita revista, todo tipo de revista, e com o computador não só isso, porque você vai no YouTube e vê as coisas de novo. Esse trabalho que a gente fez em cima da Tropicália, eu revi os festivais todos, foi coisa que eu vivi, então reviver é viver novamente com outros olhos, principalmente aquele filme ‘Uma noite em 67’ que tem eles novinhos e eles velhinhos dando entrevista falando o que que era. Por que nessa história, por exemplo, quando o Zé Celso está fazendo ‘As três irmãs’ [espetáculo de Tchekhov] acontece uma grande ruptura, porque ele pegava, levantava o dinheiro no banco, com o nome dele e depois tava tudo com tóxico, então o negócio ficava uma loucura. É assim que o Borghi sai, é aquela loucura, que estava fazendo ‘As três irmãs’ e ele lá no camarim enlouquecido. Quer dizer, tinha que chegar no que ele chegou, nisso aí que é uma doideira. Doideira não, é o caminho que ele escolheu. E ele faz, vamos respeitar, porque.

A gente nota que tem essa trajetória, não só de vida, mas de tudo o que a gente estudou, aquilo vai crescendo, filme e aquelas angústias todas. Quando a gente fez “A comédia da falha trágica” [Ribeiro, 2015] lá pelos meus 18 anos, ou 17, eu estava no exército eu li ‘A Divina Comédia’ toda. O pessoal até debochava de mim, tinha bullying até pra isso. Aquilo foi voltando, principalmente quando você vai ficando mais velho, aí de vez em quando lembra com muita nitidez coisas passadas e tendo sacadas. A gente vai somando isso tudo. Eu tava vendo isso, nessa pesquisa, eu consegui reaver o documento meu de posse como presidente do diretório. E se eu falasse hoje, era exatamente o que eu queria falar, porque a safadeza política continua do mesmo jeito, as pessoas mentem e voltam. O meu problema é que eu tenho a maldição de Cassandra, eu estou na porta do castelo do Agamenon dizendo: “você vai morrer se entrar aí” e ninguém acredita. Até convencer as pessoas e eles dizerem “ah, tinha razão”. É igual mãe, não é?

IV: Por falar em Cassandra, o teatro tem essa coisa de prever coisas num sentido até oracular do que acontece. Em “Gritos Dissonantes” o espetáculo previa que o governo Dilma ruiria. Queria que você falasse sobre o processo de escrita deste espetáculo e da angústia em escrever um texto num momento em que as pessoas não falavam no assunto.

JLR: Elas não acreditavam. O que que acontece, a mídia, você vai pensar no nazismo, você vai pensar sempre naqueles momentos em que o povo vai para rua de uma determinada forma, existe paixão, não existe razão. E as pessoas fazem o estereótipo da figura que eles querem projetar. O marqueteiro fez isso. E quem era Dilma Rousseff? Era um poste inventado pelo Lula. Desde o começo. O Lula precisava fazer o que o Itamar tentou fazer com o Fernando Henrique. O Itamar falou assim: “Eu vou ajudar o Fernando Henrique. Ele entra e depois ele me ajuda a voltar.” Aí o Fernando Henrique deu-lhe uma boa banana, conseguiu reeleição e mandou o Itamar ser governador de Minas. Se demorasse mais um tempo na vida ia ser síndico no prédio dele. Porque os degraus voltam. Então o Lula fez a mesma coisa. “Vou por este poste, vou mandar nele durante quatro anos e depois dos quatros anos, volto eu, glorioso para mais oito.” Não voltou mesmo. Ela também até tem um determinado momento que ela manda não dar mais dinheiro pro PT, manda passar para a campanha. Quem lê “O Antagonista” viu isso. Está na cara. Ela é a Rainha de Copas. E como bufona ela é maravilhosa. Você pega as histórias dela, ela falando francês…! Só Fausto na hora da morte que a maior safadeza que se faz com o Diabo, porque o Diabo tinha o contrato de risco e Deus manda o Lewandovisky [Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski] ali e muda aquele contrato na última hora como agora a Dilma está ensaiando voltar. Ela descobriu que não pode ser senadora porque as vagas estão ocupadas, então ela vai ocupar outros lugares. Já está preparando para entrar. Bem, pensa bem! Aquela história dela fazer os ministros chorarem, que você via nas narrativas da esculhambação que ela dava, ela é uma rainha de copas, sempre! “Cortem-lhe a cabeça”! Então há coisas que a Retórica ensina. Existem exemplos que se você for juntando os pontinhos, você chega lá e o teatro ensina isso, porque o teatro você vive várias vidas. E se você viver a vida do calhorda, vai saber onde ele vai chegar. Não existe, a não ser o Deus que os gregos ensinaram, quando o dramaturgo ou tragediólogo não tinha como resolver a situação, tinha que matar o herói e não podia matar, desce um Deus do céu e salva. Isso acontece no milagre medieval: desce a Nossa Senhora e salva aquele cara na última hora. Então no “Gritos Dissonantes”, o calabouço e juntando com a Rainha de Copas, perfeito! Bate certo. Só que a Rainha de Copas é destruída porque a Alice acorda e os baralhos se desfazem. No nosso caso, o ministro dela, ou o vice dela, assume. Quem é? É o homem das mãos, que quando a pessoa fala: “Fora, Temer!” Eu falo: “Vocês que colocaram!” Ele era o apêndice dela. Nunca amei esse cara, mas não vou pra rua falar “Fora isso” ou “Fora aquilo” não! Ele é o pedaço da estrura dela. Então, consequentemente, o que acontece? Quando a gente fica fazendo isso, a gente vê como as pessoas se projetam nesse fenômeno e quando nós criamos a personagem “Grozélia” lá na Ilha da Fantasia do “Era sempre primeiro de abril”, a ministra Zélia era seríssima. Depois que aparece o ministro mandando “Bésame Mucho” pra ela. A questão do Fernando Henrique com a “Brazilina” é aquilo que ia acontecer. Agora, as pessoas precisam ser responsabilizadas pelo o que elas falam. Então não vem com a história da mandioca, da bola, da mulher sapiens, não!

IV: No período que vai do Collor até Temer, os únicos presidentes que não receberam um texto contando a história deles são Itamar, Lula e agora o Temer. Porque não foram mencionados?

JLR: Itamar por piedade. Eu trabalhei com o Itamar, mas o Itamar foi [presidente] dois anos, e ele foi honesto. Itamar era um pavão, mas uma pessoa honesta. Você tinha quando aconteceu com o Quinhavo, ele tirou o Quinhavo, para apurar. E depois voltou com o Quinhavo. O Lula não teve jeito. Embora, se você pegar “A Fábula do Destino” tem ele passando por lá. Porque acho até, que o Lula conseguiu convencer as pessoas como Hitler conseguiu. E você não pode falar a meu ver, do operário que ele representou, porque isso realmente foi sério. Mas o que a gente tem passando por ele é o “Visitando Volpone”. Se você pegar o “Volpone” ele está lá. Essa questão da corrupção, são todos. E o Lula não tinha achado, porque ele nega, nega, nega, nega, embora o cerco esteja se fechando. A situação que eles têm que fazer é acabar com o Moro. Falar que o Moro é isso, que o moro é aquilo. A gente está sendo sufocado por uma cobra social que vai chegar um tempo em que nós não vamos poder falar nada. Você olha como é que é. Eu adorei esse trabalho “Pão e Pedra” da Companhia do Latão que conta a história da greve do ABC e mostra sem falar o nome dele direto, o que ele fez: se vendendo para os patrões. Está entendendo? Nada daquele momento. No começo eu pensei: “Esse cara vai resolver o problema. Ele não tem escolaridade, ele vai por um bom ministro da Educação.” Ele dispensa o Cristóvão Buarque por telefone. E a primeira declaração que ele dá é que ele “não precisou de estudar para ser Presidente da República”. Isso, vindo de um presidente, é um exemplo muito ruim. Quando o Enéas faz uma pergunta para ele num célebre debate, se um presidente não precisaria de ter conhecimento. E ele responde: ” Não, porque eu conheço o Brasil como ninguém, etc e tal..” Mas o Enéas fala o seguinte: “E na questão de tecnologia, questão de investimento…?” e o Lula sai pela tangente. Indiscutivelmente, ele é um grande orador. Ele é igual ao Hitler. Ele convence as massas. Porque Lula tem várias máscaras. Aquela cena do “Game of Thrones” que tem o palácio com várias caras, é exatamente ele. Ele tem uma caixa de máscaras e usa a que mais lhe aprouver.

IV: Mudando um pouco de assunto, essas peças possuem uma estrutura épica, que causam um distanciamento. Porque distanciar nesses espetáculos? Porque peças que tratam de um contexto muito próximo se passam em reinos distantes?

JLR: Pensa na obra do Brecht. No ‘Círculo de Giz” ele pega um reino distante. É muito mais fácil, você dar ao público uma coisa que não é chapada. Não é de realismo social. O riso, se você distancia, você presta atenção. Se você leva um tombo, se tem gente olhando, você sai esfregando a perna, todo sem graça. Se não tiver ninguém olhando, você levanta e vai embora. Esse é o primeiro passo. Se você vê uma pessoa levando um tombo, você pergunta: “Machucou?” Se ela te disser que não, você cai na gargalhada. Isso aí é uma questão. É uma ética hipócrita, porque você já queria rir muito antes, então esse distanciamento quase que Brechtiano é aquele momento no qual a gente fala assim: “Agora você vai se por diante disso e ver isso. Eu vou pintar isso aqui com cor forte. Vou colocar um nariz de palhaço, nesse fulano, vou pôr colorido, vou mostrar o cinismo dele, você vai rir, mas depois que você der três passos, pensa bem no que que aconteceu com você!?” Entende? E é uma coisa alegórica para você deglutir, por exemplo, você chegar num Reino de Copas, e identificar aquelas caras que estão ali. São todas iguais.

IV: E facilita o entendimento do público?

JLR: Como o cristianismo dominou o mundo? Foi através da fé que ele evangelizou? Não! Através de quê? Da parábola. Então quando eles falam “Deixai vir a mim as crianças”…Como o televangelismo está dominando o Brasil? Através de exemplos. Fictícios, mas ele mostra a mesma coisa que tinha. A maioria desses pastores, vem de uma facção que não é de alta escolaridade. Então ele traz um lastro para que a pessoa possa achar isso. Quais são as três coisas que a publicidade organiza para poder pegar? Comer, descomer e comer no outro sentido. A publicidade, se você ver, qualquer coisa tem isso. É aquilo que são as coisas que o Morin [Edgar Morin, antropólogo e sociólogo francês] fala de quais são os elementos básicos afetivos. Para o homem e para a mulher. Então na hora que você tem esse caso contando e o espetáculo que sai do palco e entra na vida das pessoas. As pessoas passam a vivenciar o teatro da espontaneidade, do Moreno. Quando Valdemiro Santiago tira a camisa que cortou - e ele deve ter várias - com sangue de galinha, porque não é possível aquela camisa fazer tanto milagre, pra ele vender os pedacinhos da camisa, porque é exatamente o que a Idade Média faz com o pedacinho da Madeira, do lenho de Cristo que dava pra fazer vinte navios, então ele está fazendo teatro. Pirandelliano, que a pessoa está acreditando naquilo. É um teatro invisível. Que num certo sentido a pessoa acaba se envolvendo no processo. Uma pessoa que vai no teatro para se divertir, e está doida para chorar, ela vai chorar, se ela se identificar. Ela faz isso na igreja. A igreja evangélica usa hoje as coisas do candomblé. Ela faz o que? Um mix. “Hoje é dia de passar o sal”. Isso é o banho do descarrego!

IV: Existe o Rasonaire, que é a voz do autor. Como se dá essa estrutura?

JLR: É o editor. Num certo sentido, o Rasonaire é o personagem que vai falar para a plateia, Brecht tem muito isso no prólogo. Você vê isso no final de “Sete Palmos”. Como é que é o texto? “Público gentil e amigo, aqui chamamos a atenção, queríamos buscar a verdade, encontramos a indignação”. É igual “ A boa alma de Setsuan’ de Brecht . O problema são os homens. Nós estávamos mostrando as sete chagas da sociedade. A sociedade inteira está corrompida. Porque a base da sociedade não tem mais limite. Antigamente tinha um Deus que você tinha que tomar cuidado, você ia confessar com o padre. Agora aboliu-se isso. E era feito pelo temor. Na idade média, as mulheres que catavam plantinha no mato para fazer remédios, eles queimavam na fogueira como bruxas. E era o caminho da ciência que estavam trilhando. As pessoas tinham medo, agora as pessoas não têm medo não.

IV: Deus relaxou?

JLR: O homem ficou atrevido demais na sua ganância. E aí o Deus, esse que veio pelo televangelismo que diz que “você tem que ser feliz na terra, tem que ter dinheiro” não é mais aquele Deus que diz que você será recompensado no outro mundo. Ele diz que você tem que ser recompensado agora. Então, se você tem que ser recompensado agora, acabou o mundo.

IV: Para encerrar, como você separa o cidadão José Luiz do dramaturgo José Luiz na hora de escrever as peças. Ou não separa?

JLR: Quando o teatro se organiza na Polis grega, ele é político. Qualquer pessoa que pisa no palco, é uma pessoa de ação política. Às vezes ela não sabe porque que ela está fazendo aquilo, mas ela está fazendo. Então, em nenhum momento, eu deixei na minha vida depois que eu começo, que eu me formo como jornalista, de ser um jornalista opinativo, de ser um professor e de ser um ser de teatro. O teatro é isso tudo. Ele é o jornalismo que eu gostaria de ver hoje. Modificando o mundo. Eu acho que a questão da cidadania, de enxergar as coisas, é o ponto fundamental, principalmente, nesse momento que gente está vendo uma sociedade completamente dividida. Não pode ter uma sociedade dividida em nichos, tudo tem que ser incorporado na sociedade. Se a Rainha de Copas, resolve mandar no mundo, ela vai colocar o modelo dela. O cidadão José Luiz Ribeiro late no palco, late na rua, porque a função dele é essa. Deus me deu essa oportunidade de poder cumprir a minha missão falando: “gente, precisamos mudar esse mundo”. Pode ser que eu não consiga, mas esse mundo que está aí não me representa. Esse mundo dividido, esse mundo do escândalo, não me representa. O mundo que me representa é um mundo de paz, um mundo no qual eu possa entrar num carrossel ou na roda gigante, e não ficar uma hora lá preso porque teve um problema.

IV: Você costuma dizer que o teatro é uma janela que se abre para a esperança. Como você enxerga o futuro? Há esperança?

JLR: Quando a guerra acabar. Sempre. Quando acaba a guerra de Tróia é quando eles vão escrever sobre os acontecimentos. Nesse momento, nós estamos em guerra. O momento em que as pessoas saem da sua terra pra ir pra outro lugar. O conflito entre a cidadania de cada um. Os caras fugindo. Depois que o Titanic afundar, a gente tem que ver o que que sobrou. Nesse momento, até 2018 teremos uma longa batalha. Estamos no momento de ver quem é que pega o bote.

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